Primeira mulher brasileira a estudar na Universidade de Coimbra era do Maranhão
*Texto de Vilma Reis, publicado no site Coimbra Coolectiva
Domitila de Carvalho é um nome incontornável na História das mulheres portuguesas pelo seu pioneirismo no Ensino Superior. Em 1892, tornou-se a primeira aluna da Universidade de Coimbra (UC). Ela com 20 e a academia com 602 anos de idade. Frequentou os cursos de Matemática, Filosofia e Medicina. Mas enquanto Domitila estudava, ainda sem traje académico que na época era proibido às mulheres, nascia no Brasil outra vanguardista.
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No dia 30 de julho de 1898, nasce em casa, no Largo do Carmo, em São Luís do Maranhão, a menina América do Sul Fontes Monteiro (sim, isso mesmo). Não existe registo de como foi a vida desta nordestina brasileira até Setembro de 1917 mas, em Outubro desse ano, América assina um documento onde pede: «Exmo. Sr. Reitor da Universidade de Coimbra. América do Sul Fontes Monteiro, filha de Bernardino Monteiro e Maria de Jesus, natural do Maranhão, Estados Unidos do Brazil, pretende matricular-se e inscrever-se em todas as disciplinas do primeiro ano da Faculdade de Letras – secção de Filologia Germânica – para o que junta os documentos exigidos no referente edital. Pede a Vossa Excelência se digne deferir.»
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Este documento, guardado no Arquivo da UC, é hoje a confirmação do pioneirismo desta brasileira para o estudo das populações universitárias. América do Sul foi a primeira mulher do Brasil a vir para Portugal estudar na Universidade de Coimbra, mudando o género de uma longa lista que começou em 1586 com Manuel Cabral, que se licenciou em Leis. Ou seja, o Brasil demorou 331 anos para enviar uma aluna e acrescentar o feminino na lista de brasileiros estudantes.
Na Faculdade de Letras, América do Sul frequentou Língua e Literatura Inglesa e Alemã, Curso prático de Inglês e Alemão, Filologia Portuguesa, História de Portugal, História Geral da Civilização, Filosofia, História Medieval e ainda Geografia de Portugal e Colónias. Era para ter concluído o Curso em 1920, mas cancelou a matrícula um ano antes. O que fez uma mulher como América desistir da empreitada? A família acredita que a culpado se chamava Sebastião: «Não conheci a minha avó América, sei que teve três filhos, todos já desaparecidos e que abandonou o curso para casar com o meu avô que, entretanto, tirou o curso de Direito em Coimbra», explica a neta Maria Hermínia Quintela, professora em Lamego.
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Quando América transitou para o seu segundo ano do Curso de Letras, Sebastião se tornava caloiro de Direito, os dois nomes aparecem juntos na documentação dos matriculados em 1918. Casaram dois anos depois e foram viver para Vila Real. Foi a história de amor entre América e Sebastião que desviou a maranhense dos estudos, mas este amor só tirou o diploma à brasileira, Sebastião concluiu o curso e tornou-se doutor. Viveram relativamente pouco tempo como casal, ele morreu aos 45 e América com 61. Perderam uma filha adolescente e criaram dois rapazes. Os seus descendentes retomaram fortemente os laços com Coimbra: dos 10 netos, seis formaram-se aqui e entre os 18 bisnetos, quatro já passaram pela mais antiga universidade portuguesa.
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Maria Beatriz Claro da Fonseca Cid de Oliveira é um destes frutos nascidos a partir da semente de América do Sul. A mestranda na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação reconhece sua importância: «A história dela é repassada de geração em geração na minha família e motivo de muito orgulho. Candidatei-me para Coimbra por realmente querer estudar nesta cidade e talvez o passado de América me tenha influenciado. É um privilégio estudar aqui tendo em conta o exemplo da minha bisavó», diz Beatriz.
As mulheres na Universidade de Coimbra podem ter demorado para adentrar no mundo académico mas, uma vez inseridas, trataram de esgarçar o espartilho das barreiras. A partir dos anos 60, a evolução acontece muito rapidamente e a viragem dá-se em 1983, quando o número de alunas suplanta o de alunos na universidade. Hoje, os brasileiros representam a maior comunidade de estudantes internacionais na UC, são 15% do total discente e destes, as mulheres são maioria e tudo começou na jovem América do Sul Fontes Monteiro.